Análise: Classificação Indicativa na TV aberta brasileira é censura? Desde 2016, norma é educativa e não punitiva
O mundo está em constante evolução, mas os preceitos culturais e morais da sociedade brasileira parecem passar por uma fase que antecedeu a Constituição de 1988. “Temos ódio da censura – ódio e nojo”, declarou Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituinte que dava fim à ditadura. Desde então, o país teve diversas mudanças de comportamento e os meios de comunicação de massa foram os mais atingidos. Mesmo contra a “Carta Maior”, desde 2000, o Ministério da Justiça adotou uma nova forma de censurar emissoras de rádio e televisão, com a criação da “Classificação indicativa” (Portaria 796/2000).
A norma do Ministério da Justiça obrigou as redes de TV a adaptarem suas programações ao que alguém julga ser “politicamente correto”. Somente em agosto de 2016, a “Classificação indicativa” que na verdade era “Proibitiva e “Punitiva”, foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que a considerou inconstitucional. O ministro relator Dias Toffoli, “afirmou que a possibilidade de multar o veículo de comunicação é uma forma de censura. A classificação indicativa deve ser apenas uma informação para a família sobre a faixa etária para a qual o programa é direcionado. Portanto, deveria ser usada pelos pais como uma ferramenta, não como uma imposição do poder público, como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Desde a decisão do Supremo, a “classificação” tem caráter meramente educativo. No entanto, na prática, emissoras de TV ainda temem o fantasma imposto há 17 anos e evitam o máximo a exibição de programas não-jornalísticos, “inadequados” para menores de 14 ou 16 anos, em horários entre 6h e 21h. Muitos ainda possuem receio de enfrentar ações judiciais e a aplicação da “censura”, mesmo com a decisão do STF. A única exceção se aplica ao jornalismo, este que desde o fim da ditadura entende-se como independente e sem necessidade de indicação. Por se tratar de um programa ao vivo e que relata à realidade, sua indicação é livre para todas as idades, respeitando a liberdade de imprensa e de expressão.
Vale transcrever o disposto sobre o tema na Constituição Federal, no art. 220 em seus parágrafos primeiro e segundo: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII, e XIV.” ; “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Sendo assim, não há amparo legal para que uma novela ou um filme com cenas de sexo, violência e drogas (consideradas impróprias para menores de 14 e 16 anos), sejam exibidas apenas após determinado horário. A responsabilidade pela educação dos filhos é dos pais e não da televisão, até mesmo porque, crianças e adolescentes hoje possuem outras opções, como a internet e a TV por assinatura. São os pais também os responsáveis pelo horário ao qual os filhos dormem e cabe à eles a decisão de quando os seus menores podem ou não assistir TV.
Uma novela como “Avenida Brasil”, por exemplo, não é exibida no “Vale a pena ver de novo” em sua íntegra por ser considerada forte demais para o horário, um dos motivos pelo qual a Globo ainda não a reprisou. Muitas vezes, o corte de cenas, consideradas “inadequadas” pelo Ministério da Justiça é a saída encontrada pelas emissoras para a reprise no período vespertino. O SBT fez isso com “Sortilégio”, mexicana de sucesso que acaba de retornar à grade. A Record TV também passou a tesoura em “Vidas em Jogo”. A Globo cortou cenas fortes da reprise de “Senhora do Destino” e provavelmente editará ao máximo a polêmica “Celebridade”, novela que será a substituta da atual trama em seu horário de reprises da tarde.
Por outro lado, o “Primeiro Impacto”, o “SPTV” (Globo), o “Brasil Urgente” (Band) ou o “Cidade Alerta” (Record TV), podem explorar a “Cracolândia” paulista ao vivo e sem cortes, com direito à zoom. As mortes diárias, na maioria motivadas por crimes violentos, podem ser contadas com detalhes pelos telejornais, a qualquer hora do dia. O conteúdo jornalístico não pode sofrer censura por retratar à realidade, mas as obras de ficção sim? Exibir um atentado, um sequestro ou um assalto ao vivo na TV, no momento que o fato acontece é permitido, mas sua abordagem numa novela, antes das 21h é vetada? Qual a lógica dos “ditadores” disfarçados de “controladores da democracia”? Caro Ulysses Guimarães, rasgam a Constituição de 1988 diariamente. A interpretação das leis, infelizmente não é uma ciência exata neste país. E sim, “temos ódio da censura – ódio e nojo”, mas aceitamos quando ela se disfarça de “Democracia controlada”.
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