Sarau, o último trabalho de Ivani Ribeiro, nunca foi ao ar

Sarau, o último trabalho de Ivani Ribeiro, nunca foi ao ar

Uma novela e uma minissérie com sinopses desenvolvidas por Ivani Ribeiro, um mês antes de sua morte, em junho de 1995, estavam prestes a entrar em produção na Globo, em setembro daquele mesmo ano. Solange Castro Neves, parceira de longa data de Ivani, era quem estava desenvolvendo as tramas.

A primeira produção que estava sendo preparada – e a que nunca foi ar – era a minissérie Sarau.

A história estava marcada para estrear no dia 26 de março de 1996 e pretendia apresentar ao público um pouco do universo machadiano tendo o Rio de Janeiro dos anos 20 como pano de fundo e como tema principal os duelos literários.

Planejava-se dois núcleos de personagens: os que participariam do sarau, fazendo a leitura, e os que retratariam as histórias. Todos, no entanto, inspirados na obra de Machado de Assis.

Pode-se dizer, portanto, que Sarau foi o último trabalho de Ivani Ribeiro. A autora de clássicos como A Viagem e Mulheres de Areia terminou de escrever a sinopse no hospital, ditando as frases para que Solange Castro Neves transformasse em roteiro. A grande colaboradora e amiga de Ivani tinha um carinho muito especial pela obra, segundo consta em entrevistas para a imprensa da época.

“Ela deixou a minissérie toda alinhavada, e eu só tive que escrever os diálogos. É uma miscelânea muito bem bolada da obra dele. Tive que ler muito para que isso se tornasse possível e selecionei os trechos mais significativos de Machado”, disse a autora, em entrevista para um jornal, naquele ano de 1995.

Solange também tinha preparado uma homenagem especial para Ivani, que iria ao ar no último capítulo da minissérie.

 

A história

Aquela que estava sendo pensada para ser a primeira minissérie de 1996 seria baseada em 12 contos de Machado de Assis, e mostraria uma festa em 1910, onde vários personagens do universo machadiano iriam se encontrar. Os personagens se dividiriam em dois núcleos. Os do sarau apareceriam o tempo todo dançando. Eles, por meio dos diálogos, apresentariam os outros, das histórias que seriam abordadas em cada um dos 12 capítulos.

A trama começaria com uma troca de cartas anônimas. Na sinopse, Soares, um dos personagens principais, recebia um bilhete dizendo que sua esposa tinha um amante, depois, a mulher também é informada de uma traição do marido. Na tentativa de descobrir quem mandou as cartas, Soares programa um sarau em sua casa e Andrade, o melhor amigo do empresário, faz o desafio: descobrir a origem das cartas e do tal amante. Quem aceita o duelo é o descontraído Marcondes, dando início à narrativa, que tinha previsão de 12 capítulos.

Através de muita metalinguagem e dos recursos de licença poética, a minissérie pretendia recriar tipos imortais, como o Marcondes, de Quintas Borba; a Marcela, de Memórias Póstumas de Brás Cubas; e Capitu, de Dom Casmurro. Profundo conhecedor da alma, Machado de Assis tratou como nenhum outro autor a dualidade do ser humano, um prato cheio para Ivani e Solange.

Solange Castro Neves: amiga e grande parceira de trabalho de Ivani Ribeiro. Foto: Reprodução Youtube

 

 

Produção

Para a direção da minissérie, ventilava-se na impressa o nome de Denise Saraceni, que havia sido bastante elogiada na recém-finalizada minissérie “Engraçadinha”. Por fim, o projeto caiu nas mãos de Wolf Maya, recém-saído da novela das sete daquele ano, Cara & Coroa. Ele por sua vez, convidou, Denise para dirigir ao seu lado, pois já sabia da experiência da diretora com a obra machadiana, uma vez que ela já havia dirigido a adaptação de Helena, na Manchete, em 1987.

As gravações da minissérie começariam em janeiro de 1996 e a estreia estava prevista para abril daquele ano, junto com uma leva de minisséries e especiais. Ainda em dezembro de 1995, Wolf Maya começava a anunciar a escalação do elenco. À época, em uma entrevista, ele contou entusiasmado:

“Estou preparando uma biografia do autor. Quero que os atores fiquem, pelo menos, um mês à disposição do projeto, lendo e conhecendo a fundo o universo de Machado de Assis. Vai ser um trabalho sério sobre o contista, que é o expoente da literatura brasileira. Um clássico que a gente não pode deixar de mostrar na TV”.

Para o elenco, os nomes escalados e divulgados na imprensa eram os de Glória Menezes, Eva Wilma, Tarcísio Meira, Glória Pires, Patrícia Pillar, Antônio Fagundes e Jorge Dória, além de Vera Fischer que, segundo rumores, faria seu retorno à Globo em Sarau, após polêmico afastamento de Pátria Minha, em 1994. Com a entrada de Denise Saraceni na direção geral, Cláudia Raia (recém-saída de Engraçadinha, em parceria com Denise) também foi mencionada para o projeto. A ideia seria que ela aparecesse cantando um samba chamado “Mocidade”, deixada por Ivani Ribeiro que, como poucos sabiam, também escrevia composições.

Com o cancelamento da trama, os nomes pré-escalados ficaram disponíveis para outras produções que estavam programadas para 1996. Glória Menezes e Jorge Dória foram para a novela das sete Vira-Lata, de Carlos Lombardi. Já Antônio Fagundes e Patrícia Pillar formaram o par romântico principal de O Rei do Gado, fenômeno das oito, enquanto Glória Pires fez a vilã Rafaela. Também para a novela de Benedito Ruy Barbosa foram Vera Fischer, Eva Wilma e Tarcísio Meira, que participaram da primeira fase. Já Cláudia Raia, dedicou-se ao projeto Não fuja da Raia.

 

Arquivamento

Pouco se tem notícias sobre os motivos do arquivamento da trama. Em fevereiro de 1996, foi divulgado que a minissérie ficaria para 1997 – assim como Mar Morto (história de Aguinaldo Silva adaptada do original de Jorge Amado que foi adiada pela segunda vez até ser arquivada). Em entrevista para um jornal, naquele mesmo ano, Isa Duboc (então assessora de Solange Castro Neves) afirmou que o texto foi escrito pela autora e bem avaliado pela Globo, mas só a emissora poderia decidir quando produzir.

O pouco que se sabe é que Os Caminhos do Vento (título provisório de “Quem é Você?”) foi antecipada e, por isso, Sarau foi para a gaveta. Com os problemas de bastidores e divergência no texto que ocorreram em “Quem é Você?” , Solange Castro Neves foi afastada da trama no capítulo 31 e Lauro César Muniz assumiu. Com o posterior afastamento de Solange Castro Neves da Rede Globo, ainda nos anos 90, a minissérie acabou nunca sendo produzida.

Quem sabe um dia, em homenagem à grande autora Ivani Ribeiro, uma das pioneiras das telenovelas, a emissora venha a produzir este seu último trabalho.

 

 

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