Silvio Santos 86 anos: parentes e amigos contam histórias curiosas sobre o apresentador
Resumir a história de vida de Silvio Santos, a do camelô que se tornou um dos maiores comunicadores e empresários do país, é simplificar a trajetória de um homem que alcançou o sucesso através do trabalho. Sorte? Talvez! Suor? Com certeza! O carioca, que nasceu no boêmio bairro da Lapa, desde cedo conquistou a atenção do povo. Aos 14 anos, usava a voz pelo Centro do Rio para atrair a multidão e, assim, vender suas mercadorias.
— Silvio sempre foi determinado. Começou a trabalhar muito novo. Vendia capinha para título de eleitor nas ruas. Naquela época, o país voltava a ter eleições após um longo período e as pessoas estavam entusiasmadas. Ele foi um visionário. Posso dizer que, até hoje, vive para trabalhar — afirma Henrique Abravanel, de 77 anos, irmão mais novo do dono do SBT.

Exigente, Silvio acreditava que precisava vender produtos de melhor qualidade, algo que combinasse mais com sua condição de estudante de contabilidade. Trocou as capas por canetas, e soube como ninguém escrever o seu destino. No próximo dia 12, quando completa 85 anos, o comunicador pode celebrar com a certeza de que suas conquistas são mérito de seu esforço e persistência. Como Midas, transformou em ouro as oportunidades que apareceram pela frente. Uma delas, em especial, mudou sua vida: quando foi apreendido pelo chefe do rapa por estar vendendo bugigangas na rua. Percebendo a boa comunicação do garoto, o policial o encaminhou para fazer um teste de locutor na Rádio Guanabara. A vocação para falar com a massa ganhou nova função. Passou por diversas estações no Rio até que, numa viagem para São Paulo, fez um teste e foi contratado pela Rádio Nacional em 1954.
— Conheci Silvio quando ele não tinha dinheiro nem para pagar cachê (risos). Eu era um menino de 16 anos quando o vi pela primeira vez. Frequentava assiduamente o programa de rádio do Manoel de Nóbrega. Eu era office boy na época. Lembro o primeiro dia em que ele apareceu. Manoel anunciou que o havia contratado porque achava que o rapaz tinha futuro. Tive o privilégio de ver sua estreia — recorda Raul Gil, de 78 anos.
O apresentador, que hoje é funcionário do SBT, frisa:
— Aprendi muito com ele. Uma das coisas, por exemplo, foi pagar os meus impostos em dia. É o cara mais correto que já vi nesse país. Sempre falou que queria dormir em paz sabendo que tinhas as contas acertadas. E já tirou muita gente da lona, do desespero, pagou tantos hospitais e enterros para colegas… Mas não gosta que falem disso.

Silvio Santos vem aí
O trabalho com Manoel de Nóbrega na rádio lhe rendeu um apelido curioso: Peru que Fala. O motivo? Nóbrega percebia a timidez do novato e aproveitava para fazer brincadeiras com ele no ar, deixando-o vermelho. Disposto a ganhar mais dinheiro para quitar uma dívida, o carioca se dividia em mil. Acumulava a função na Rádio Nacional com o trabalho em bar, assim como a venda de anúncios para uma revistinha criada por ele e, por fim, fazia shows em circos e praças públicas com as “Caravanas do Peru que Fala”, formada com outros artistas.
— A força de trabalho dele era fora do comum. Silvio trabalhava feito maluco. Ia até o fim em tudo o que começava. Isso é algo que eu admirava muito. Nós nos dávamos bem e nos tornamos amigos. Ele me chamou para cuidar dos artistas da caravana. No início da carreira, era tímido demais. Sempre foi um cara fechado, introvertido. Com o tempo é que ele foi se soltando — diz Luciano Callegari, de 78 anos, que, ao longo de 47, foi produtor e diretor do animador.

As adversidades que apareciam pelo caminho desafiavam Silvio. Se o salário na rádio não era alto, o locutor ganhava dez vezes mais com os trabalhos que acumulava. Sua visão de homem de negócios não permitia que perdesse oportunidades. E arriscar era com ele mesmo. Foi num desses episódios de “tudo ou nada” que uma de suas maiores invenções se concretizou. Após uma transação malsucedida, Manoel de Nóbrega pediu ajuda a Silvio. Na ocasião, o pai de Carlos Alberto de Nóbrega havia feito uma sociedade com um alemão, que tivera a ideia de vender uma cesta de brinquedos. A pessoa pagava as prestações ao longo do ano e, no fim, recebia a encomenda. Nóbrega anunciava em seu programa. No total, mil cestas foram vendidas, mas seu sócio não tinha como quitar o combinado. Silvio entrou na jogada para tentar resolver o problema e viu que, se bem administrado, o negócio poderia dar certo. Assim nasceu o Baú da Felicidade. A virada empresarial casava com uma nova etapa da vida dele.
— Aí ele começou a ganhar dinheiro. Surgiu a possibilidade de fazer um programa na TV (“Vamos brincar de forca”, de 1961). Era inacreditável quando ele pisava no palco. Paulo de Grammont e Walter Foster, diretores da TV Paulista, perguntaram se ele se interessaria em fazer um programa aos domingos, algo que não existia até então. Silvio, quando está no palco, é infernal. O que está certo é genial, mas, se está errado, a culpa é nossa. Sempre o chamei de maluco e acho que ele sempre foi — diverte-se Callegari.

Em 1962, estreou o “Programa Silvio Santos”. Três anos mais tarde, a Globo comprou a TV Paulista. O apresentador seguiu no ar até 1976. Nesse tempo, o carioca já havia conquistado o Brasil. A fama nunca subiu à cabeça. É o que garante Florzira Natale, de 80 anos, carinhosamente chamada por Silvio de Mirna. Ela trabalhou como sua assistente nos primeiros anos do programa:
— Ele dava conselhos às moças. Éramos sete. Às vezes, subíamos juntos a Rua das Palmeiras (onde era a TV Paulista) e ele conversava comigo sobre a família. Respeitava muito as moças. Para a gente ganhar mais dinheiro, ele deixava as meninas trabalharem em outros lugares. Só não permitia que fôssemos ao Chacrinha, porque as mulheres ficavam com pouca roupa e moça de família não podia.
Na mesma proporção que sua popularidade aumentava, maior era o desejo de ter sua própria emissora. Em meados dos anos 70, ele conseguiu a concessão para ter seu canal e assim surgiu a TVS, que, anos depois, se tornaria o SBT. Apesar de estar há mais de cinco décadas no ar, Silvio faz questão de manter uma vida reservada quando fica longe das câmeras.

— Faz 15 anos que voltei para a Globo e não tenho contato com Silvio. Mas sou grato a ele porque me deu a possibilidade de fazer o programa “Jô Soares onze e meia”. Era um sonho meu. O convite (de ir para o SBT) me motivou a fazer o que faço até hoje. Só é impossível entrevistá-lo. Ele não dá entrevista para ninguém — afirma Jô Soares.
A Canal Extra fez algumas tentativas de conversar com o comunicador nos últimos meses para essa reportagem. Numa delas, na porta de Jassa, seu cabeleireiro e confidente, muito educado, o apresentador brincou: “Fala com o Nicanor (manobrista) que ele resolve tudo”.
Raul Gil endossa a fama de inatingível do Homem do Baú:
— Estou no SBT há cinco anos e só falei com ele uma vez.
Outro apresentador de TV, Gugu Liberato tem sua história profissional ligada à do dono da emissora paulista. Bem antes de seguir a carreira, no início da década de 70, ele trabalhou como auxiliar de escritório na produção do programa de Silvio.

— Ele a vida toda foi muito duro e exigente. Sempre nos dizia que “televisão é como um avião, não pode errar. Se errar, o avião cai”. Não tinha moleza. Hoje, vejo que esse jeito tinha razão de ser. Quase ninguém entendia de TV e ele tinha que ensinar — conta Gugu, que vai além: — Costumo dizer que nunca conheci alguém com o raciocínio tão rápido. Inteligência, então, nem se fala. Aprendi com Silvio que “a maior malandragem da vida é ser honesto”.
O mito, na verdade, é um homem de gosto simples.
— Ele é um cara normal, que, na intimidade, gosta de curtir as filhas e os netos. A televisão é o brinquedo dele. Adora quebra-cabeça e Netflix. Gosta de ficar em casa… Só quando viaja para fora (ele tem uma residência em Orlando, nos Estados Unidos) é que ele consegue levar uma vida mais comum. Pode andar na rua e ir ao supermercado — revela Dory Abravanel, sobrinha do comunicador.

Lásaro do Carmo Júnior, que foi, durante cerca de sete anos, presidente da Jequiti, empresa do Grupo Silvio Santos, guarda boas lembranças do ex-patrão:
— Ele é muito reservado. Quem fala que conversa com o Silvio é mentiroso. Cinco ou seis pessoas falam, no máximo. Quantas vezes alguém me dizia que era amigo dele e, quando eu perguntava, descobria que sequer se conheciam (risos). Graças a Deus, nossa relação foi boa. Como o grande empreendedor que é, tem personalidade forte. Você não lidera dez mil funcionários sendo Papai Noel.
Mas o lado humano sobressai. Quem o conhece garante.
— Independentemente de ele ser o patrão, Silvio é o cara mais humilde do SBT. Trata todos como um paizão. Se você tem um problema de saúde, ele procura o melhor médico. Se Deus premiasse alguém com a eternidade, eu queria que fosse Silvio — diz Liminha, assistente de palco, que antecipa como será as comemorações, apesar de o SBT não confirmar: — As filhas estão preparando uma surpresa para o aniversário de 85 anos, um programa especial com depoimentos de diversos apresentadores.

Wagner Montes conheceu de perto a generosidade do ex-chefe. Em 1981, ele sofreu um acidente de triciclo e precisou amputar a perna direita.
— Ele ligou várias vezes para o hospital. A atendente não acreditava que era verdade. Quando Silvio disse quem era, ela retrucou: “E aqui é a Hebe Camargo” (risos). E desligou. Ele falou com o meu pai: “Não se preocupe. Ele vai usar a prótese mais moderna do mundo. Pena que não posso dar de carne e osso”. Ele resolveu tudo — recorda-se Montes, que era funcionário do SBT na época.
Da série histórias engraçadas, o ator Tiago Abravanel guarda uma do avô famoso:
— Lembro de uma viagem que fizemos a Cancun, de navio. Eu tinha uns 6 anos. Ele comprou 12 camisas bem floridas. Meu avô é assim: quando gosta de uma coisa, gosta mesmo! Lá, o comentário era que Silvio Santos não tomava banho, estava todo dia com a mesma roupa.

Em sua biografia, “A fantástica história de Silvio Santos”, do jornalista Arlindo Silva, o apresentador avisa: “Hoje sou um homem preso ao trabalho mais porque gosto, não pelo que o trabalho me dá. Pelo contrário, o trabalho desgasta, mas ele me dá grandes emoções e eu sou um homem que gosta de emoções. O público também gosta. Por isso consigo comunicar-me com tanta facilidade. É como se tivéssemos uma alma só”.
O público, com certeza, sente isso. Parabéns pelos seus 86 anos, Silvio!
Três mil pessoas por semana
Quem assiste à programação do SBT sabe muito bem a importância que o auditório tem em seus programas. Para se ter uma ideia, são três mil pessoas por semana que vão até a emissora. E o programa mais procurado, claro, é o de Silvio Santos. “Abrimos a agenda na segunda segunda-feira de cada mês. São 115 caravanistas que captam público para nós”, conta Mercia Garção, supervisora, que lembra um fato inusitado: “Uma vez, veio um homem vestido de mulher. Não mandamos embora (o público é exclusivamente feminino). Depois, ele tirou a “fantasia” e contou que o seu sonho era conhecer Silvio”. A caravanista Lea Thomazi, de Jundiaí, acredita ter uma responsabilidade grande: “Não é fácil, porque as meninas mais novinhas, às vezes, não aparecem. Temos um número certo de pessoas para levar. Meu telefone não para”. Lucia de Fátima Andrade começou como caravanista e hoje trabalha no SBT. “Nunca imaginei de estar na equipe do Silvio. Precisavam de uma pessoa na plateia. Comecei como frila e depois me contrataram. Ele vai andando e cumprimentando todos. Jamais passa ao lado de um funcionário sem falar”, conta Lucia. O assistente de palco Gonçalo Roque conheceu Silvio ainda na época da Rádio Nacional. “Desde então, ele já tinha um jeitão carismático com o público. Como bom carioca, é simpático. A maioria das pessoas quer abraçá-lo. A gente explica que não pode, mas com carinho”, diz Roque.
Uma paixão arrebatadora há mais de 30 anos

O primeiro casamento de Silvio foi com Aparecida Honória Vieira, a Cidinha, que morreu vítima de câncer no aparelho digestivo em 1977. Com ela, o animador teve duas filhas: Cintia e Silvia. Em 1981, o amor deu uma segunda chance para o apresentador, que se casou com Iris Abravanel, sua atual mulher. A paixão foi arrebatadora. Roberto Manzoni, o Magrão, diretor de programação do SBT, conta: “Ele sempre foi e sempre será louco por ela. Eles se entendem muito bem. As vezes em que tive oportunidade de conversar com ele sobre a família, Silvio sempre demonstrou orgulho”. O amigo Callegari lembra: “Acho que até então ele não sabia o que era paixão. Sabe quando bate pele com pele, que a pessoa esquece tudo? Ele só falava dela”. O casal teve Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata. Em Iris, Silvio encontrou um amor recíproco. “É impossível definir em apenas uma frase tudo que meu marido representa para mim. Senor é o grande amor da minha vida. Quanto mais o conheço, mais minha admiração e meu respeito crescem. Ele é o meu herói”, derrete-se Iris.
*Todas as entrevistas desta matéria foram concedidas ao jornal “Extra”.

