ESPECIAL: Os bastidores da eleição presidencial americana

ESPECIAL: Os bastidores da eleição presidencial americana

Por Jéssica Maciel

 

No início, a candidatura de Donald Trump era considerada uma piada pronta: zero experiência política, histórico de escândalos na vida pessoal e profissional e um comportamento social não-muito-adequado são só três dos fatores que fizeram o mundo inteiro acreditar que ele JAMAIS (sim, me permiti uma caixa alta aqui) seria eleito para o cargo de presidente dos Estados Unidos. Mas foi.

O mundo recebeu – atônito – essa notícia e desde então muitos jornalistas, sociólogos e teóricos de mesa de bar se concentraram em (tentar) entender o que aconteceu. “Por que os americanos elegeram esse cara?” é o gatilho e partindo dele, o corajoso que se aventura em compreender a polemiquíssima trindade americana composta por Donald Trump, seus seguidores e aliados acaba tendo a mesma sensação que a Alice, a do país das maravilhas, tem ao cair na toca do coelho: isso é muito louco, nada faz sentido aqui mas vamos ver onde isso vai dar. Comigo foi assim, só não tinha o pão.

Apertei esse gatilho, mas nada de tiro no escuro. Conversei com três jornalistas que trabalharam nessas eleições e tiveram a difícil missão de entender e explicar para o Brasil o que estava acontecendo na terra do Tio Sam. Eles compartilharam o que viram durante toda a corrida eleitoral, o que ajuda a entender como Donald Trump saiu do posto de piada pronta para o de 45º Presidente dos Estados Unidos da América. São eles: Anna Virginia Balloussier, da Folha de São Paulo, Marcelo Torres, do SBT, e Felipe Santana, da TV Globo.

 

 

Anna Virgínia Balloussier

Folha de São Paulo

 

 

 

 

 

O ascenção de Trump e o impacto da vitória

“Após a vitória de Trump, basicamente, os jornalistas se perguntavam “onde foi que erramos”. Colunista do “Washington Post”, Dana Milbank chegou a prometer que comeria suas palavras se Trump virasse o presidenciável republicano (cumpriu a promessa em maio, digerindo receitas preparadas por um chef com jornal). O site Huffington Post deu outra mancada: começou a cobrir a candidatura de Trump na seção de entretenimento e voltou atrás quando o empresário começou a ganhar fôlego nas pesquisas. A repórter da CNN destacada para cobrir a campanha de Trump chegou a dizer que ficou chateada quando seus chefes lhe passaram essa missão, pois queria acompanhar um “candidato sério”, e não um cara que não tinha chance alguma de virar presidente. De certa forma, a maioria de nós engolimos nossas palavras – alguns literalmente.

 

Nunca menosprezei as chances de Trump. No começo de março, semanas antes de eu embarcar para Nova York, Clóvis Rossi, meu colunista predileto, escreveu na Folha: “Minha sensação é a de, conseguida a candidatura republicana, Trump terá criado o chamado ‘momentum’ que o levará ao triunfo em novembro”. Os americanos, seguindo tendência global, claramente queriam mudança, criaram alergia ao ‘establishment’ político. E os Clinton incorporavam justamente isso. Hillary e Trump eram os dois candidatos mais rejeitados pelo eleitorado em décadas. Mas, a certa altura, parecia claro que não importava o que ele fizesse (caçoar de deficientes físicos, atacar imigrantes, protagonizar escândalos sexuais etc.), um público sempre permanecia fiel. Já Hillary não motivava tanto as pessoas, não como Obama, não como Bill (ela mesma admitia a falta de jogo de cintura com multidões, mas se há também elementos de machismo, aí é outra discussão).

O desejo pela mudança e a aversão à política tradicional é uma tendência mundial. E Trump conseguiu, como até rivais políticos admitiram, captar uma insatisfação popular que estava passando batida por democratas e também por republicanos. Fora que ele falava a língua do povo e defendia a insurgência contra a “elite liberal” de Nova York, Los Angeles e afins, que seriam incapazes de perceber a dor do “americano médio”. Logo ele, um nova-iorquino bilionário que doara para os Clinton no passado! Mas ser rico não era o crime (as pessoas aspiravam ser que nem ele). Ser político de carreira, isso sim, era o verdadeiro pecado capital no último pleito.”

Americanos x brasileiros

“Em comum, o acirramento da polarização, a arena do “nós” contra “eles” e a prevalência da pós-verdade. Mas há diferenças fundamentais, a começar pelo sistema do Colégio Eleitoral, que desencoraja o multipartidarismo. No Brasil foi o contrário: o último pleito municipal foi uma vitória para partidos menores, que cresceram como nunca. E o voto não é obrigatório nos EUA, o que faz do eleitor que sai de casa para ir às urnas mais engajado, em geral, com seu candidato.”

O legado 

“Que repórter não gostaria de estar em Berlim quando o muro caiu? Em São Paulo quando Lula comemorou sua vitória de 2002, na quarta tentativa eleitoral? Nos EUA quando o primeiro presidente negro foi eleito, em Cuba quando Fidel Castro morreu, nas Diretas Já?

A eleição de Trump soava assim: a História com “h” maiúsculo desfilando, e você na primeira fila.

Cobrir um momento de inflexão da narrativa política global, para uma repórter jovem, foi uma experiência ímpar. E, perdoe meu francês… Foi f*da. No bom e no mau sentido da palavra. É uma chance inédita de emplacar reportagens todo dia, de entender na marra como noticiar a mesma informação que milhares de veículos estão dando sem parecer um “control c”, “control v”, de pensar em lentes diferenciadas para o leitor brasileiro. Enfim, aprendi pacas.

Agora ao copo meio vazio: o ofício tinha suas frustrações. No Brasil, apresentar-se como repórter da Folha, o maior jornal impresso do país, era passaporte garantido para nove em dez pautas (ok, o João Gilberto não se comoveria com esse cartão de visitas…).

Nos EUA a história é outra. Sobretudo em campanha, os candidatos têm interesse em falar com a imprensa não só nacional, mas local, que repercute nos Estados onde eles precisam ganhar o maior número de votos possível. Por isso, a youtuber que abriu um canal de Snapchat num pequeno condado de New Hampshire valia mais do que “o maior jornal do Brasil”. O acesso era muito restrito.”

 

 

Marcelo Torres

SBT

 

 

 

 

 

Fla x Flu político

“Alguns fatos me chamaram atenção desde o início. O primeiro, a exemplo do que acontece no Brasil, é a polarização do eleitorado. Foi uma campanha muito mais focada em desconstruir a personalidade do oponente do que no plano de governo. Também ficou patente o desejo de uma grande parte do eleitorado em votar para alguém considerado “outsider”, de fora do sistema político tradicional. Nesse contexto, muitas promessas extravagantes foram feitas e parecem ter eletrizado multidões de americanos.

 

Durante toda a eleição, os eleitores contrários a Trump tiveram muito medo da possibilidade de ele vir a se eleger. Até mesmo integrantes ilustres do Partido Republicano expressaram esse inconformismo com o fato de ele ter vencido as primárias para se tornar candidato do partido. Do outro lado, os admiradores e eleitores de Trump formaram uma onda muito forte a favor dele e tiveram sucesso em disseminar esse sentimento ao longo do país.”

Campanhas polêmicas

“Comecei a acreditar na vitória de Trump quando houve mais um vazamento de e-mails sigilosos de Hillary Clinton num momento em que ela liderava com folga as pesquisas. Acredito que o fato de o FBI ter sido dúbio quanto à culpa dela no uso de servidores de e-mail privados para tratar de questões sigilosas de Estado tenha contribuído também para a virada de Trump. Mesmo quando a polícia declarou que não havia evidência de crimes cometidos por Hillary, o estrago já estava feito.

 

Foi uma eleição com muitos altos e baixos e situações surreais, como quando vazou aquele vídeo em que Trump se referia a mulheres com linguagem pornográfica, que muitos acreditaram que seria a pá de cal na campanha dele. A agressividade durante os debates também foi outro ponto digno de nota. Em um dos encontros entre os candidatos, Trump chamou Hillary de “mulher nojenta”, enquanto ela sugeria que faltava saúde mental a Trump ao dizer que ele vivia “em seu próprio mundo”.”

 

Americanos x brasileiros

“Acredito que nos dois países há no momento uma forte onda de negação da política tradicional. Se é apenas uma onda ou se isso será um movimento transformador da política, ainda é difícil dizer. É uma análise que precisa ser feita a frio daqui a alguns anos. A diferença está no sistema americano, em que o voto não é obrigatório e a contagem não é de votos totais, mas sim de vencedores em cada estado. Por lá, um eleitor do Texas ou da Califórnia sabe que dificilmente seu voto fará a diferença, já que a maioria sólida de um ou outro candidato em estados como esses faz com que todos os votos de cada estado sejam contados apenas para o vencedor. Aqui, com o sistema de maioria simples, cada voto de fato faz a diferença e existe a necessidade de que as campanhas se espalhem por cada cantinho do Brasil, o que acaba mobilizando mais os eleitores.”

 

 

Felipe Santana

TV Globo

 

 

 

 

Notícias falsas e a virada de Trump

“O que mais chamou atenção foi como o eleitor estava baseando sua decisão em notícias falsas. O eleitores americanos pareciam mais bem informados, mas a informação não era verdadeira. Muita convicção e pouca realidade.

Eu comecei a apostar numa vitória do Trump quando ele fez o discurso da reta final em que tratava de propostas concretas para os cem primeiros dias de governo. Era um sábado e ninguém deu muita atenção ao discurso, que pra mim foi um ponto de virada. Sem cobertura intensa da imprensa, ele começou a fazer às vezes cinco comícios por dia em cinco estados com propostas que falam diretamente com o público. Ele propunha mudanças drásticas, como por exemplo retirar os Estados Unidos de programas das Nações Unidas de controle das mudanças climáticas.

A influência de Obama

Não acho que a opinião de Obama (que fez campanha para a candidata democrata Hillary Clinton) tenha sido ignorada. Acredito que o governo de um presidente negro que entrou pra unir ajudou a criar uma secção no povo americano. Ele propunha a inclusão e isso assusta muita gente. Trump é uma reação à inclusão proposta por Obama. A Flórida tem subúrbios de classe média branca com quem Trump fala diretamente, como os da cidade de Tampa. Em uma reportagem, mostramos um pouco quem é essa maioria silenciosa.

 

De forma geral, o que mais me chama atenção é o modo como as pessoas estão assustadas e amedrontadas. Isso é um perigo pra democracia, como falou Obama eu seu discurso de despedida. Quando há divisão e dois lados assustados, o conflito é iminente e perigoso.

 

Felipe Santana: da Ilha da Magia para a cidade que nunca dorme

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