Ex-executivo da Globo faz duras críticas às novelas, ao “Fantástico” e ao jornalismo da emissora

Ex-executivo da Globo faz duras críticas às novelas, ao “Fantástico” e ao jornalismo da emissora
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 Em seu primeiro livro de ficção, “Unidos do Outro Mundo – Dialogando com os Mortos”, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, reencontra figuras importantes de sua trajetória, como Roberto Marinho, Walter Clark e Armando Nogueira, entre outros. O livro chega às livrarias nos próximos dias.

Em entrevista concedida à jornalista Cristina Padiglione, do “Estadão”, para falar sobre o lançamento de seu livro, o ex-executivo da Globo fez duras críticas às novelas, ao “Fantástico” e ao jornalismo da emissora.

Leia a entrevista na íntegra:

Fantástico, colcha de retalhos

“O Fantástico hoje é uma colcha de retalhos, em vez de ser um mosaico. São coisas parecidas, mas a colcha de retalhos não tem conexão entre uma coisa e outra. Tinha que ter a grande matéria, a matéria de capa, mas é tudo soltinho, e quando as matérias são grandes, são policiais. A tônica do programa era esperança – mostrar esperança de uma vida melhor, as relações entre pais e filhos, a cura da doença, eles jogaram isso no lixo.”

‘Dez Mandamentos’

“A questão da novela bíblica é que Moisés é um grande personagem, essas coisas acontecem esporadicamente. O difícil é a emissora concorrente da Globo manter esse padrão, é fazer um outro Dez Mandamentos.”

Janete Clair e as novelas

“A Janete sempre dizia que a novela não tinha que ser a verdade, mas tinha que ser verossímil. E ela tinha essa paixão por personagens, foi o que inspirou um pouco o livro. Ela falava: não tem que ter só uma boa história, tem que ter personagens apaixonantes, as pessoas vão conviver com eles durante seis meses – o que nem sempre acontece ultimamente. Há um exagero de favelas, de violência em cima de violência. Se uma novela é muito violenta, a outra tem que ser mais tranquila, mais romântica, mais comédia, senão o cara não aguenta. A vida imita a arte, mas quando a arte começa a imitar a vida, fica meio pesado.”

Roberto Marinho

“Acho que o que fiz pela TV Globo foi muito mal remunerado. Não há mágoa, por que não havia condição de ficar lá. Eu seria engolido pela tragédia da Globo. Se eu tivesse ações, não teria como sair. Estando lá, eu teria que brigar por aquilo, mas não valia mais a pena brigar porque os donos queriam daquele jeito. Não era minha linha de trabalho.”

A saída da Globo

“A gota d’água, a gente pode dizer, foi o Jornalismo. Quando o Evandro (Carlos de Andrade) assumiu, ele veio para trabalhar comigo, mas logo ele começou a tomar decisões direto com o Roberto Irineu (Marinho), e fez besteiras imensas. Colocou lá a Lillian Witte Fibe com o William Bonner no Jornal Nacional, que perdeu 30% de audiência. Eu me dava muito bem com o Evandro. O problema é que ele resolveu se juntar com o Roberto Irineu e tomar decisões que pertenciam à minha área. Ele não poderia ter trocado o Cid Moreira e o Sérgio Chapelin de uma vez. Tinha que tirar um e, no ano seguinte, o outro. Fizemos pesquisa. Gosto muito da Lillian, mas ela tinha um grau de rejeição imenso, achavam que ela era muito empertigada.”

Armando Nogueira e ‘JN’

“Concordo (com a avaliação que, segundo o livro, Armando Nogueira faria hoje sobre o ‘JN’). Os jornais locais americanos são bastante informais, mas o jornal de rede americano é um apresentador só. Hoje, mais do que nunca, o cara quando vê o Jornal Nacional, já viu aquilo em outro lugar. Então, o que o espectador precisa ver ali? Se aquilo é verdade. O cara tem que sentar lá e fazer sério. Agora, levantar, botar apelido, chamar de Maju, isso não tem sentido. O Brasil é um país informal, mas o Jornal Nacional é um boletim de hard news, informação, e tem que passar a percepção de que se (a notícia) deu no Jornal Nacional, é verdade.”

Clark e reconhecimento

“Tenho muito carinho por ele. Nós tínhamos 30 anos de idade para tocar a TV Globo, nossos conflitos eram de pessoas muito jovens, com enorme responsabilidade, cada um queria fazer mais depressa que o outro. Às vezes, ele queria segurar minha rapidez. Outra coisa: eu enfrentava o doutor Roberto de uma maneira esportiva. Conversava com ele, numa boa. Mas o Walter brigava com o doutor Roberto. Ele era muito tímido, se magoava muito quando não dizia o que pensava, e ia tomar uma caninha, fugia da raia, isso fazia um mal muito grande a ele. Ele não dizia por questões de delicadeza, mas eu não engolia sapo. Isso ajudava muito com que as minhas decisões fossem mais rápidas.”

Globo, 50 anos, sem veteranos

“Importante nesse período foi também o Joe Wallach. O Joe Wallach mora em Los Angeles, eu fui agora, quando a Globo fez o aniversário de 50 anos, ninguém deu uma palavra pra ele, não mandaram uma carta, um telegrama. Então fui lá, fazer uma homenagem a ele, jantar com ele, ele ficou muito comovido. Ele foi muito importante na condução dessa linha tênue de conflitos, na Globo, com o doutor Roberto, ele era o administrador de conflitos. Sem ele, a gente não faria a TV Globo. Sem ele, teria acontecido alguma explosão tipo Oriente Médio lá. Eu e o Wallach nunca brigamos. Ele tinha uma experiência muito grande de televisão americana, eu tinha um treinamento de televisão nos Estados Unidos. A gente sabia o que estava falando, conhecíamos teoria e prática. Os outros, ou conheciam prática ou conheciam teoria, mas nós fizemos uma dobradinha, essa dobradinha é que infernizava a vida do Walter.”

UNIDOS DO OUTRO MUNDO – DIALOGANDO COM OS MORTOS

Autor: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho

Editora: Sextante (288 págs., R$ 39,90)

TRECHO

“Da última vez que tomamos um vinho juntos, o senhor disse uma coisa tão bonita que só tenho coragem de repetir porque tive nosso amigo Jorge Adib como testemunha.

Dr. Roberto, erguendo a taça, diz:

– Deixa que eu repito: ‘Boni, foi Deus que

colocou você no meu caminho’.

– Que memória! Adorei a frase, mas preferia trocar o elogio por algumas ações da Rede Globo. A exemplo das corporações americanas, eu e alguns companheiros deveríamos ter direito à participação acionária. Afinal, botamos a empresa de pé e hoje ela é, como o senhor mesmo dizia, ‘um colosso’.

– Olha, Boni, pensei nesse negócio (…) Mas a minha vida foi muito curta e não tive tempo de estudar a questão.

– O senhor viveu 99 anos!

– (…) Pensei que viveria muito mais. (…) Lembra-se de que, certa vez, pensei em lhe dar 50% da TV Sorocaba, mas você se recusou a receber, com todos os documentos já assinados?

– Dr. Roberto, quando fui assinar os documentos, o senhor disse que se tratava de um presente, mas que eu nunca mais deveria fazer pressão para obter coisa alguma, que esperasse acontecer de forma espontânea. Não gostei disso. (…) Nunca pedi. (…) Preferi não aceitar.

(Diálogo com Roberto Marinho) 

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