Dois anos após fim da obrigatoriedade da Classificação Indicativa, emissoras de TV mudam programação

Dois anos após fim da obrigatoriedade da Classificação Indicativa, emissoras de TV mudam programação

Dois anos após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar inconstitucional a obrigatoriedade das emissoras de TV seguirem a “classificação indicativa” em suas programações, as principais redes estão deixando o medo do “politicamente correto” e voltando aos poucos a exibição de programas com teor mais pesado em horários que até 2016 eram proibidos pela Justiça.

“Arrow (O Arqueiro)” é um dos programas atuais que passaram a ter sua exibição na faixa das 18h de sábado no SBT. A série não é indicada para menores de 14 anos. Novelas mexicanas e brasileiras com temática mais adulta também passaram a serem exibidas normalmente na faixa da tarde. Os cortes de cenas até então inadequadas para o horário não são mais obrigatórias, cabendo a cada emissora a decisão de exibir ou não determinada obra no horário mais adequado para sua audiência. Até reprises dos últimos capítulos de novelas globais passaram a serem reexibidos no “Vale a pena ver de novo”. O sucesso infantil “As Aventuras de Poliana”, exibida na faixa das 20h45 pelo SBT, tem classificação livre e pode ser reclassificada para não indicada para menores de 10 anos, o que não altera em nada o andamento ou horário da trama. A única obrigação das emissoras é a exibição da classificação indicativa, como forma educativa. O bom senso também prevalece e abusos podem ser denunciados ao Ministério Público.

O mundo está em constante evolução, mas os preceitos culturais e morais da sociedade brasileira parecem passar por uma fase que antecedeu a Constituição de 1988. “Temos ódio da censura – ódio e nojo”, declarou Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituinte que dava fim à ditadura. Desde então, o país teve diversas mudanças de comportamento e os meios de comunicação de massa foram os mais atingidos. Mesmo contra a “Carta Maior”, desde 2000, o Ministério da Justiça adotou uma nova forma de censurar emissoras de rádio e televisão, com a criação da “Classificação indicativa” (Portaria 796/2000).

A norma do Ministério da Justiça obrigou as redes de TV a adaptarem suas programações ao que alguém julga ser “politicamente correto”. Somente em agosto de 2016, a “Classificação indicativa” que na verdade era “Proibitiva e Punitiva”, foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que a considerou inconstitucional. O ministro relator Dias Toffoli, “afirmou que a possibilidade de multar o veículo de comunicação é uma forma de censura. A classificação indicativa deve ser apenas uma informação para a família sobre a faixa etária para a qual o programa é direcionado. Portanto, deveria ser usada pelos pais como uma ferramenta, não como uma imposição do poder público, como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Desde a decisão do Supremo, a “classificação” tem caráter meramente educativo. No entanto, na prática, emissoras de TV ainda temem o fantasma imposto há 18 anos e evitaram o máximo a exibição de programas não-jornalísticos, “inadequados” para menores de 14 ou 16 anos, em horários entre 6h e 21h. Tudo indica que o receio de enfrentar ações judiciais e a aplicação da “censura”, mesmo com a decisão do STF está com os dias contados. A única exceção que se aplicava ao jornalismo, este que desde o fim da ditadura entende-se como independente e sem necessidade de indicação. Por se tratar de um programa ao vivo e que relata à realidade, sua indicação é livre para todas as idades, respeitando a liberdade de imprensa e de expressão.

Pais devem utilizar informações para decidirem o que o filho deve ou não assistir na TV (Imagem antiga de um comercial da TV Globo/Arquivo)

Vale transcrever o disposto sobre o tema na Constituição Federal, no art. 220 em seus parágrafos primeiro e segundo: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII, e XIV.” ; “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Sendo assim, não há amparo legal para que uma novela ou um filme com cenas de sexo, violência e drogas (consideradas impróprias para menores de 14 e 16 anos), sejam exibidas apenas após determinado horário. A responsabilidade pela educação dos filhos é dos pais e não da televisão, até mesmo porque, crianças e adolescentes hoje possuem outras opções, como a internet e a TV por assinatura. São os pais também os responsáveis pelo horário ao qual os filhos dormem e cabe à eles a decisão de quando os seus menores podem ou não assistir TV.

Uma novela como “Avenida Brasil”, por exemplo, não era exibida no “Vale a pena ver de novo” em sua íntegra por ser considerada forte demais para o horário, um dos motivos pelo qual a Globo ainda não a reprisou. Muitas vezes, o corte de cenas, consideradas “inadequadas” pelo Ministério da Justiça é a saída encontrada pelas emissoras para a reprise no período vespertino. O SBT fez isso com “Sortilégio”. A Record TV também passou a tesoura em “Vidas em Jogo”. A Globo cortou cenas fortes da reprise de “Senhora do Destino”.

Por outro lado, o “Primeiro Impacto”, o “SPTV” (Globo), o “Brasil Urgente” (Band) ou o “Cidade Alerta” (Record TV), podem explorar a “Cracolândia” paulista ao vivo e sem cortes, com direito à zoom. As mortes diárias, na maioria motivadas por crimes violentos, podem ser contadas com detalhes pelos telejornais, a qualquer hora do dia. O conteúdo jornalístico não pode sofrer censura por retratar à realidade, mas as obras de ficção sim? Que bom que tudo começou a mudar. Exibir um atentado, um sequestro ou um assalto ao vivo na TV, no momento que o fato acontece é permitido, mas sua abordagem numa novela, antes das 21h deve ser vetada? Qual a lógica dos “ditadores” disfarçados de “controladores da democracia”? Caro Ulysses Guimarães, rasgaram por anos a Constituição de 1988. A interpretação das leis, infelizmente não é uma ciência exata neste país. E sim, “temos ódio da censura – ódio e nojo”, mas aceitamos quando ela se disfarça de “Democracia Controlada”. Um brinde ao retorno da liberdade de programação em nossas televisões e quem não concordar que use o controle remoto!

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