Exagero ou maturidade? Novelas da Globo apostam em tramas homossexuais e tentam apagar antiga imagem conservadora da emissora
Até poucos anos atrás, personagens homossexuais, nas tramas globais, eram tabú na emissora. Por muito tempo, o telespectador se mostrou conservador e por medo de boicote, a TV Globo pouco abordava o tema em suas novelas. De beijos gays gravados e nunca exibidos, ao momento atual. Hoje em dia, praticamente todas as obras produzidas pela emissora contam com personagens homossexuais. Exagero ou maturidade? O apresentador do SBT e empresário Carlos Massa (Ratinho), provocou polêmica na semana passada ao postar um vídeo em sua rede social onde criticava ou brincava (o mérito da intenção não é o objetivo deste texto), o “excesso de viados”, nas produções da Globo. “Tinha viado até no cangaço”?. O apresentador disse ter feito uma brincadeira, mas terá que responder por suposta “homofobia”, perante o Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública de SP.
A grande questão é que a homossexualidade sempre existiu na história da humanidade e é observada em diferentes espécies animais. Tinha gay ou “viado” (termo muito utilizado entre gays, mas que dependendo da sua conotação, há quem sustente ser uma ideologia homofóbica/preconceituosa); nos mais antigos registros da humanidade. Por muitos anos, profissionais da área da saúde tratavam a orientação sexual de iguais como doença. Algumas crenças religiosas até hoje condenam o que classificam de “práticas pecaminosas”. Independente da opinião ou educação de cada pessoa, o fato de um ser se relacionar com outro do mesmo sexo diz respeito tão somente aos envolvidos na relação, do mesmo jeito que um casal heterossexual tem seu direito à privacidade. Como declarou o famoso médico Dráuzio Varella: “Eu vou te perguntar uma coisa: Que diferença faz pra você, pra sua vida pessoal, se o seu vizinho dorme com outro homem? Se a sua vizinha é apaixonada pela colega de escritório? Que diferença faz pra você? Se faz diferença, procure um psiquiatra! Você não está legal!”.
A teledramaturgia tratou por muitos anos em ignorar a homossexualidade. Teve épocas onde era engraçado ter no elenco um gay caricato ou afeminado. A sociedade brasileira não mudou, apenas passou a “tolerar” algo que sempre existiu, mas que era reprimido ou censurado até na grande mídia. Neste contexto, a própria Rede Globo demorou décadas para mudar sua visão conservadora. Hoje, há quem diga ser um exagero e uma posição muitas vezes forçada. Independente de ser ou não demasiado, a Globo hoje parece tentar se redimir do que foi no passado e ao retratar a diversidade em sua programação, manda o recado para a sociedade: “todos somos iguais” e mostrar o que é notório em nosso cotidiano, jamais deveria ofender a tradicional “Família Margarina Brasileira”, nem preocupar os mais estudiosos, pois a própria Organização Mundial da Saúde já adverte que homossexualidade não se pega, não se trata e não se adota. Por isso, se alguém ainda duvida, existem muitos gays no Brasil e ao redor do mundo. “Existem tantos viados assim?”. Talvez a pergunta que complementa a incógnita, seja: “existem tantos heteros assim”?
Em “Pega Pega”, novela das 19h, encerrada nesta segunda-feira (08), Douglas (Guilherme Weber) e Siqueira (Marcelo Escorel), assumiram um relacionamento amoroso com aceitação total da família e dos amigos. A felicidade ficou completa para o gerente do Carioca Palace quando ele descobriu que Raquel (Mayara Lepre), decidiu ficar no Brasil e, assim, ele poderá ficar de vez mais perto do filho. Além disso, o então durão delegado Siqueira se tornou o novo administrador da boate Strass.
Já em “O Outro Lado do Paraíso”, trama das 21h, Eriberto Leão é o enrustido Samuel, psiquiatra que tem um romance de faixada com Suzy (Ellen Rocche) e secretamente se relaciona com Cido (Rafael Zulu). O médico esconde sua orientação sexual por causa da mãe, Adneia (Ana Lúcia Torre), que sonha em ver o filho casado com uma mulher e lhe dando vários netos. Recentemente desmascarado, agora conta com o apoio da mãe para continuar vivendo uma dupla identidade. Será que ele sairá do armário? Outro gay da história é o cabeleireiro Nick (Fábio Lago), um personagem nordestino afeminado que já sofreu violência dos namorados que teve e se envolverá em novas situações de preconceito.
7 tramas gays marcantes da teledramaturgia global
01) A Próxima Vítima: Quem não lembra de Jefferson e Sandrinho (Lui Mendes e André Gonçalves)? Foi a primeira vez em que uma novela abordou um namoro adolescente gay. Gonçalves revelou, anos depois, que chegou a ser hostilizado na rua por homofóbicos que o confundiam com o personagem. A novela global teve grande repercussão. O beijo entre os personagens teria sido gravado, mas jamais exibido. A novela de Silvio de Abreu causou polêmica em 1995.
02) Amor à Vida: E quem não lembra de Félix (Matheus Solano)? Começou mau e com um casamento de fachada, mas fez tanto sucesso que se regenerou e terminou com Niko (Thiago Fragoso), em quem deu o primeiro beijo gay com contexto romântico da Rede Globo. A última cena da novela “Amor à Vida”, protagonizada com o pai homofóbico da trama, interpretado por Antônio Fagundes, também foi marcante.
03) Império: Vivido por Paulo Betti, o “jornalista sério” Téo Pereira, um dos principais atrativos de Império (2014), escrita por Aguinaldo Silva. Seu jeito espalhafatoso, melancólico e a solidão cômica conquistaram o público, deixando sua marca na carreira do ator. Destaque também para Xana Summer. O cabeleireiro vivido por Ailton Graça se vestia como mulher e, no início da trama, era homossexual declarado. Acabou ficando um pouco dentro do armário, é verdade, mas, ainda assim, merece seu lugar na lista. Cláudio, personagem de José Mayer também fez parte do núcleo colorido da novela, tendo um caso escondido com o boy Leonardo, mesmo casado e mantendo a linha durão.
04) Fina Estampa: O que dizer do mordomo Crô, que virou até filme? Depois de Crodoaldo Valério, a vida de Marcelo Serrado nunca mais foi a mesma. O divertido personagem de Fina Estampa (2011) garantiu a ótima audiência da trama de Aguinaldo Silva e roubou a cena da protagonista Pereirão (Lília Cabral).
05) Caras e Bocas: Cássio talvez seja o personagem de maior sucesso na carreira de Marco Pigossi. Os bordões “choquei” e “estou rosa-choque!” são lembrados até os dias de hoje, numa das grandes audiências da faixa das 19h.
06) A Força do Querer: O personagem Ivan, que começou a trama de Glória Perez como Ivana, mostrou como é difícil o processo de aceitação e de transformação de pessoas que se identificam como transgêneras e como a família e a sociedade podem deixar esse processo muito mais árduo. Personagem destacou o talento de Carol Duarte.
07) Babilônia: Em 2015, o público global ficou chocado com a retratação da homossexualidade na terceira idade. O beijo entre o casal de lésbicas, vivido pelas atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, gerou polêmica e boicote na internet.
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