Luciano Hang é derrotado duas vezes por Felipe Neto na justiça
Luciano Hang perdeu em segunda instância o processo que estava movendo contra o youtuber Felipe Neto.
Na ação, Hang pedia indenização de R$ 100 mil por danos morais, após o influenciador digital ter dito que a Havan havia começado a vender alimentos para burlar as regras e poder abrir durante a pandemia de Covid-19.
Hang já havia perdido em primeira instância em março deste ano, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que as falas de Felipe Neto se enquadraram nos limites da liberdade de expressão e não ofenderam a honra do empresário.
Em maio de 2020, Felipe Neto reagiu a uma notícia de que a Havan passou a vender arroz e feijão para poder ser considerada serviço essencial.
Disse o youtuber, na época: “É isso mesmo que você está lendo. O desgraçado decidiu tentar driblar a quarentena colocando arroz e feijão nas lojas”.
Além de negar a indenização, a juíza Leila Hassem da Ponte, da 25ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, mandou o empresário pagar R$ 10 mil para o advogado de Felipe Neto, referente aos honorários advocatícios. Luciano Hang também terá que arcar com as custas processuais.
LEIA A SENTENÇA NA ÍNTEGRA:
Processo nº: 1075076-09.2020.8.26.0100
Classe – Assunto Procedimento Comum Cível – Direito de Imagem
Requerente: Luciano Hang e outro
Requerido: Felipe Neto Rodrigues Vieira e outro
Juiz(a) de Direito: Dr(a). LEILA HASSEM DA PONTE
LUCIANO HANG e HAVAN LOJAS DE DEPARTAMENTOS LTDA. ajuizaram ação de obrigação de fazer c/c. indenização por danos morais em face de FELIPE NETO RODRIGUES VIEIRA e EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S.A. Afirmam que, na data de 19/05/2020, a requerida Folha da Manhã publicou notícia informando que a autora Havan começou a vender produtos alimentícios, como arroz, feijão, macarrão e óleo, a fim de que o estabelecimento comercial fosse considerado como atividade essencial e, consequentemente, autorizada a sua abertura durante o decreto de restrição de funcionamento para combater a pandemia do novo coronavírus. Diante da notícia veiculada, o requerido Felipe Neto publicou em sua página pessoal da rede social Twitter uma mensagem contendo xingamento ao autor que, aduz, lhe causou danos morais. Alega inexistir qualquer ato ilícito na venda de produtos alimentícios, o que já ocorria antes mesmo da pandemia do novo coronavírus. Defende que há violação à sua honra, diante das manifestações difamatória e caluniosa dos requeridos. Assim, requer a condenação dos requeridos na obrigação de fazer consistente na remoção da matéria veiculada/publicação na rede social e, a condenação de cada requerido ao pagamento pelos danos morais sofridos, no montante de R$ 100.000,00. Juntou procuração e documentos (fls. 45/51).
A requerida Empresa Folha da Manhã S/A., devidamente citada, apresentou contestação as fls. 111/134. Preliminarmente, aduz a inépcia da inicial. No mérito, defende que a matéria não possui qualquer conteúdo inverídico, mas sim informações verdadeiras e de interesse público. Aduz que, em momento algum, a matéria afirma que as Lojas Havan não possuem permissão para comercializar produtos alimentícios. Discorre acerca das decisões judiciais proferidas que negaram à autora autorização para funcionamento durante a pandemia no período para empresas de ramo alimentício. Afirma que a matéria não imputa a prática de qualquer ato manifestação de pensamento (art. 5º, inciso IV). Trata-se de direito fundamental indisponível e essencial à democracia, sendo dele decorrente outros direitos de igual importância, tais como o direito à manifestação intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, inciso IX) e informação (art. 5º, inciso XIV), entre outros.
Todavia, também assegurou a Constituição Federal o direito fundamental à honra, intimidade, vida privada e imagens das pessoas (art. 5º, inciso X).
Com efeito, é preciso ficar sedimentado que os direitos fundamentais, embora se deva garantir sua máxima efetividade, não são ilimitados, já que não são absolutos. Não podem mesmo ser absolutos, uma vez que são titularizados por indivíduos que vivem em coletividade.
Assim, a liberdade de expressão, não resta dúvida, é um direito fundamental, mas seu exercício encontra limites traçados pelo direito fundamental à intimidade das outras pessoas. Também é possível a limitação do direito fundamental individual a um direito social ou de solidariedade, por exemplo.
Quando dois direitos fundamentais entram em rota de colisão, como no caso dos autos, há de se verificar, primeiramente, se existe regra já positivada de harmonização. Em não havendo, como no caso em julgamento, na hipótese de colisão entre princípios, os aplicadores do direito lançam mão da harmonização ou concordância prática.
A solução é a de procurar, no quadro da unidade da Constituição, harmonizar da melhor maneira os preceitos divergentes. Trata-se de um método e de um processo de legitimação das soluções que impõem a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis, para que a Constituição seja preservada.
A concordância prática materializa-se por meio do critério da proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito, admitindo-se o sacrifício de valores constitucionais, desde que seja necessário e adequado para a salvaguarda de outros.
No caso em exame, tem-se a colisão de direitos fundamentais, quais sejam, o da liberdade de expressão, opinião e crítica (art. 5º, incisos IV e IX e art. 220, CF) e o direito à honra (art. 5º, inciso X, CF).
Portanto, diante da existência de limitação ao pleno exercício do direito fundamental de expressão do pensamento, é que a manifestação dos requeridos deve ser apreciada para verificação da existência de eventual excesso ensejador da obrigação de fazer e indenização por dano moral pleiteadas pelos autores.
A matéria e postagem, objeto desta lide, são as seguintes:
A requerida Empresa Folha da Manhã S/A. publicou matéria com o seguinte título em 19/05/2020: “Havan passa a vender arroz e feijão para tentar reabrir como serviço essencial”, conforme se observa às fls. 53/59.
Por sua vez, o requerido Felipe Neto realizou a seguinte publicação em seu perfil na rede social Twitter: “É isso mesmo que você está lendo. O desgraçado decidiu tentar DRIBLAR a quarentena colocando arroz e feijão nas lojas” (fls. 44/45).
Analisando não só o título, mas o inteiro teor da matéria jornalística veiculada pela requerida Empresa Folha da Manhã S/A., não vislumbro qualquer conteúdo negativo a ponto de caracterizar a prática de ato ilícito.
A matéria aborda o fato de que a coautora Havan Lojas de Departamentos passou a incluir produtos alimentícios, como arroz, feijão, macarrão e óleo em seus estabelecimentos, bem como noticia que a coautora ingressou com demandas judiciais com a pretensão de obter autorização judicial para funcionamento das lojas como atividade essencial durante o período da pandemia do coronavírus.
Com efeito, tanto o fato de que os mencionados produtos alimentícios passaram a ser comercializados pela coautora Lojas Havan como o fato da existência das demandas judiciais para obter autorização judicial para funcionamento das lojas são verídicos, ou seja, não houve divulgação de falsa informação.
Note-se que não há qualquer ato ilícito com a divulgação da informação de que a coautora Lojas Havan passou a vender produtos alimentícios. A matéria possui conteúdo meramente informativo, não induzindo qualquer crítica ofensiva à parte autora.
De fato, em que pesem os argumentos dos autores, a matéria veiculada não ultrapassou os limites da liberdade de comunicação, inerentes à atividade jornalística, não podendo ser considerada como sendo de caráter ofensivo.
Ademais, como bem defendeu a requerida Empresa Folha da Manhã, não houve qualquer divulgação no sentido de que a autora não tinha permissão para comercializar os produtos alimentícios.
No que concerne ao requerido Felipe Neto, na hipótese dos autos, observa-se que o requerido manifestou-se em sua rede social Twitter, após a matéria publicada pela requerida Empresa Folha da Manhã, externando o seu ponto de vista.
Como se sabe, no atual cenário vivido pela sociedade, constantemente, as redes sociais são palco da exteriorização de informações e opiniões. Nesse vértice, diante da notícia veiculada, o requerido se manifestou expressando a sua opinião sobre o evento ocorrido.
A indignação externada pelo requerido, que se dirigiu ao coautor utilizando-se do termo “desgraçado” e o verbo “driblar”, não pode ser interpretada isoladamente, mas no contexto de emprestar ênfase à matéria, ainda que o meio empregado não se afigure como recomendável. Certo é, todavia, que não houve ataque à honra subjetiva ou profissional alheias, posto que patente a ausência de elemento subjetivo para tanto.
Vale dizer, não houve violação à honra subjetiva dos autores em consonância à previsão constitucional.
A responsabilidade civil, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, consiste na obrigação de reparar o dano causado a alguém sendo necessária a comprovação da ação ilícita (conduta omissiva ou comissiva), da culpa do agente, existência do dano e do nexo de causalidade entre a ação e o resultado danoso.
No presente caso, as manifestações dos requeridos não extrapolaram os limites da liberdade de imprensa e livre manifestação do pensamento em expor críticas e insatisfações, e, tampouco, atingiram o direito da personalidade dos autores.
Logo, sem qualquer caracterização de ato ilícito, a improcedência dos pedidos é a medida que se impõe
Diante do exposto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos e decreto a extinção da fase cognitiva, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC.
Em razão da sucumbência, condeno a parte autora em custas e despesas, além de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado na causa, sendo 50% para cada corréu, nos moldes do artigo 85, §2º do Código de Processo Civil.
P.R.I.
