Ludmilla perde processo de racismo que movia contra Marcão do Povo

Ludmilla perde processo de racismo que movia contra Marcão do Povo

Há seis anos travando uma batalha judicial contra Marcão do Povo, a cantora Ludmilla foi derrotada na justiça no processo penal que movia contra o apresentador do SBT.

A cantora acusava o apresentador de ofender sua honra, após ter sido chamada de “pobre macaca” durante o quadro “A Hora da Venenosa”, do “Balanço Geral DF”, em janeiro do ano de 2017.

Após a repercussão negativa na mídia, a Record Brasília demitiu Marcão do Povo. O apresentador foi contratado meses depois por Silvio Santos, para apresentar o programa jornalístico “Primeiro Impacto” nas manhãs do SBT.

O advogado Rannieri Lopes enviou a sentença na íntegra, incluindo o depoimento dos envolvidos, com exclusividade ao site Bastidores da TV. Veja abaixo:

No seu interrogatório em juízo, Marcão afirmou: “que a acusação não é verdadeira; que o programa era de repercussão local; que o vídeo em que se refere à vítima com a expressão “pobre macaca” foi editado e divulgado na internet; que apresentava um quadro no programa Balanço Geral, em Brasília; que o programa durava de 11h50min até 15h15min, ao vivo; que após o fato foi afastado e logo depois demitido; que, ao chamar a vítima de “pobre macaca, pobre, mais pobre mesmo, assim como eu fui pobre macaco, mas eu não desdenho das pessoas”, estava se referindo a sua antiga condição de pessoa pobre; que se trata de expressão regional do norte ou da roça, sem conotação preconceituosa; que não teve a intenção de atingir a honra da vítima; que a divulgação da notícia foi feita por várias redes sociais; que é profissional da comunicação desde os 14 anos; que nunca antes teve um problema dessa natureza; que, com o seu comentário, quis dizer que não é porque ganhou dinheiro e fama que a pessoa pode desdenhar das outras; que o único objetivo era dizer que a cantora um dia foi pobre, assim como o interrogando; que na época entrou com um processo contra a Rede Record; que a Record tentou um acordo para dar fim ao processo; que não tinha objetivo de ofender a dignidade da cantora Ludmilla valendo-se da sua raça ou cor; que não tinha autoridade de decidir a matéria que iria ao ar; que a matéria foi trazida pela equipe e por Sabrina, a jornalista que levava a frente o quadro “A Hora da Venenosa”; que não teve nenhuma responsabilidade por essa matéria e soube do caso quando já estavam ao vivo; que o comentário do apresentador faz parte do editorial da emissora; que, na divulgação da matéria, não teve intenção de atingir a honra subjetiva da vítima ao chamá-la de “pobre macaca”.”

A vítima, Ludmilla Oliveira Silva, afirmou em juízo: “que tomou conhecimento do vídeo veiculado na internet em que o acusado a chama de “pobre macaca”; que a depoente se sentiu profundamente atacada e ofendida; que todo mundo viu o vídeo; que sofre discriminação desde a época da escola e na própria carreira para conseguir contratos publicitários; que ao longo da sua carreira a depoente conseguiu destaque e virou alvo fácil para preconceito, por ser uma figura pública; que a matéria que o acusado estava apresentando era sobre uma mentira sobre a vítima, por ter se recusado a tirar fotos com pessoas; que o acusado fez o seguinte comentário: “- Como pode essa pobre macaca estar tratando mal as pessoas?”; que, após ver a matéria, ficou muito triste e com raiva da emissora ter deixado uma pessoa como o acusado ser porta-voz de notícias; que o vídeo que saiu na matéria era sobre um dia em que a depoente estava na praia e foi abordada e ameaçada por um menino que nem era seu fã; que ficou com medo dele e respondeu que não era a cantora Ludmilla; que não se recorda se retirou a ação cível contra a Rede Record; que não fez acordo com essa emissora para que aparecessem mais divulgações sobre o seu trabalho, tanto é que, após o ocorrido, parou de frequentar a Record porque virou apresentadora da Globo; que a frase utilizada pelo denunciado foi “pobre macaca”.”

Na sentença, publicada no último dia 20 de março de 2023, o juiz de direito Omar Dantas Lima, da 3ª Vara Criminal de Brasília, julgou improcedente a ação penal pelo crime de injúria e absolveu o apresentador Marcos Paulo Ribeiro Morais, vulgo Marcão do Povo.

“Como se vê, a prova oral produzida sob o crivo do contraditório define satisfatoriamente: que o acusado proferiu a expressão “pobre macaca” em contexto de crítica endereçada à vítima, que teria se recusado a tirar fotografia com um fã em uma praia, ocasião em que teria dito que seu nome era Cátia, e não Ludmilla; que tal crítica foi feita durante a apresentação de um programa regional da TV Record, veiculado em Brasília/DF; que vídeos contendo cortes desse programa viralizaram na internet; que esses vídeos foram editados de modo que a palavra “macaca” fosse repetida insistentemente; que esses vídeos chegaram ao conhecimento da vítima, que se sentiu ofendida na sua honra subjetiva.

Conquanto a vítima tenha ficado abalada emocionalmente ao assistir vídeo que viralizou na internet, o qual, segundo testemunhas compromissadas, foi editado para fazer ecoar a palavra “macaca”, isso não induz à conclusão de que o acusado, intencional e deliberadamente, tenha a utilizado para injuriá-la, ofendendo a dignidade ou o decoro em razão de sua raça ou cor.

Em que pese o evidente excesso e inadequação da expressão utilizada pelo denunciado, o qual também é bastante conhecido nacionalmente, não se vislumbra animus injuriandi na espécie. Não há dúvida de que os fatos em questão geraram indignação e transtornos à acusada. De qualquer sorte, deve ser considerado que se tratava de um programa ao vivo com várias horas de duração. Embora não justifique a postura do réu, tem-se que os desdobramentos e a própria repercussão negativa da ação, aliados ao ônus de suportar uma demanda de natureza criminal, muito provavelmente fizeram com que o acusado refletisse acerca do ato e da sua responsabilidade enquanto comunicador de projeção nacional.

Por outro lado, o Direito Penal moderno impõe – no exercício da atividade hermenêutica – a necessidade de observância dos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade (ultima ratio), a fim de que as condutas sejam analisadas sob o prisma da tipicidade material e não apenas formal.

Com efeito, Cezar Roberto Bitencourt ensina que, de acordo com o princípio da intervenção mínima, a criminalização de determinada conduta somente se justifica se outros modelos de sanções ou meios de controle social se revelarem insuficientes para a tutela de determinado bem jurídico, de que decorre, como corolário, o princípio da fragmentariedade do Direito Penal. (In Tratado de direito penal. Parte geral, vol. 1, 14ª ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2009).

Sobre o tema, convém rememorar os arestos a seguir ementados:

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. RECURSO DA DEFESA TÉCNICA. CONDENAÇÃO POR INJÚRIA RACIAL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO O DOLO ESPECÍFICO. DADO PROVIMENTO. 1. Os relatos da vítima e das testemunhas não demonstram, com a suficiência penal exigida, que o acusado incorreu na prática no tipo penal previsto como de injúria racial. 2. A caracterização do delito de injúria, na hipótese, se revela pelo elemento subjetivo do tipo penal – o dolo, anteriormente adjetivado de específico, no qual consiste na intenção deliberada do agente de atingir a honra subjetiva da vítima, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, o que não se verificou no caso concreto. Não é qualquer referência a cor, religião, sexo, etc, trazido a público por terceira pessoa, que se insere nos tipos penais, que são seletivos destas condutas contra a honra. 3. Dado provimento ao recurso. Maioria. (TJDFT, APR 20160110264169, 2ª Turma Criminal, Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos, in DJE de 28/02/2019).

INJÚRIA. AUSÊNCIA DA PROVA SOBRE O DOLO ESPECÍFICO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. Tem-se firmado que, para a prolação de um decreto penal condenatório, é indispensável prova robusta que dê certeza da existência do delito e seu autor. A livre convicção do julgador deve sempre se apoiar em dados objetivos indiscutíveis. Caso contrário, transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio. É o que ocorre no caso em tela. Não existe uma prova segura do dolo específico da agente e no sentido de injuriar o ofendido. De acordo com a jurisprudência, para a configuração dos crimes previstos nos artigos. 139 e 140 do Código Penal, é necessária a presença do elemento subjetivo do tipo que é dolo específico, ou seja, a intenção de ofender a honra alheia.

Finalmente, vale ressaltar que o presente ato decisório não obsta que a vítima venha buscar reparação de natureza cível em decorrência dos fatos em questão. Contudo, estando ausente o dolo específico do tipo penal da injúria, conforme evidenciado nos autos, impõe-se a absolvição do acusado.

Examinados os elementos de prova na forma supra, alicerçado, portanto, no acervo probatório erigido nos autos e diante dos argumentos expendidos pelas partes, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia e assim o faço para ABSOLVER MARCOS PAULO RIBEIRO MORAIS com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.”, disse o juiz Omar Dantas Lima, em sua sentença.

Relembre o vídeo da polêmica:

Compartilhar: