Há 28 anos, o Brasil começava a escolher o final das histórias do “Você Decide”

Na primeira semana daquele abril de 1992, a Globo estreou a sua nova programação. E abrindo o pacote de novidades, logo no dia 8, estreou o programa “Você Decide” que, desde as primeiras informações soltas na imprensa da época, prometia tirar da “passividade” o telespectador da emissora.
A premissa, que todo mundo conhece, é básica: uma história cujo fim seria decidido a partir dos telefonemas dos telespectadores.
Com o formato definido, buscou-se uma dupla para conduzir a história piloto, que abriria o programa. Logo os jornais apontaram a dupla Miguel Paiva, no roteiro, e Marcos Paulo, para a direção. Porém, como em toda produção de TV, houve alteração. O roteiro foi para as mãos de Geraldo Carneiro, enquanto a direção ficou a cargo de Luís Antônio Piá, com direção geral de Paulo José.
Mas as mudanças, antes da estreia, não foram apenas na equipe de criação, o apresentador também foi mudado perto do começo. Inicialmente, o jornalista Hélio Costa era dado como certo no comando do programa. Mas logo surgiram notícias de que ele não iria mais apresentar o ‘‘Você Decide”. A iminência de seu envolvimento em campanhas políticas levou a direção da Globo a procurar outro apresentador. O principal requisito era a credibilidade junto ao público, por isso, Tony Ramos e Antônio Fagundes foram os dois nomes sondados para o comando. Por fim, Fagundes assumiu o comando do novo projeto. Já Tony, chegou a apresentar o programa, porém, anos depois, de 1993 a 1998.
A DINÂMICA DO PROGRAMA

As chamadas telefônicas eram gratuitas e registradas imediatamente, a partir do final do primeiro bloco do programa, no painel eletrônico instalado no estúdio paulista da TV Globo. O sistema podia receber até 12 mil ligações, uma a cada dois segundos. Para quem queria se expressar mais do que simplesmente “sim” ou “não”, havia a possibilidade de dar uma opinião mais detalhada, nas entrevistas que a produção fazia, ao vivo, entre os blocos do programa. Com a proposta de sempre ouvir o brasileiro de um canto diferente do Brasil, na estreia, o “Você Decide” esteve em Porto Alegre, na Praça da Alfândega, no centro, para ouvir a opinião dos que por lá circulavam. A atriz Cristina Prochaska foi a entrevistadora do episódio piloto.
O programava começava às 21h30. Até às 22h50 o público poderia votar. Depois do comercial entrava a cena final, com um dos dois finais previamente gravados. Fechando o programa, Antônio Fagundes comentava o resultado da votação.
O PROGRAMA PILOTO

Foto: Reprodução
No primeiro episódio, escrito por Geraldo Carneiro, que fazia também a supervisão de texto de outros colaboradores, os espectadores teriam que se colocar na pele de um delegado de polícia (Otávio Augusto) que reconhecia, numa fita de vídeo gravada durante um assalto, o rosto do próprio filho (Eduardo Felipe). A questão é se ele devia ou não denunciar o rapaz. Durante os cinco blocos, em 45 minutos de programa, o público recebeu mais informações sobre esse pai e esse filho, e como eles se relacionam, tudo para subsidiar a escolha do público.
Spoiler: Pela votação, o final escolhido pelo público foi a opção “sim”, o policial deveria prender o filho, com um total de 4.012 pessoas ligações. Já 2.008 votaram “não”. O plot twist ao final do episódio: ao contrário do que o delegado pensava, era a filha, interpretada pela atriz Paula Newlands, e não o filho, que havia cometido o crime. Mesmo assim, o delegado cumpriu seu dever e a prendeu.
Na estreia, o programa obteve 45 pontos de audiência na Grande São Paulo, dez pontos acima de ‘‘Tereza Batista” – outra das novidades da programação da Globo, que estrou no dia anterior, terça-feira.
INTERATIVO, PERO NO MUCHO
Em junho daquele ano, uma reportagem da Folha mostrou um pouco da epopeia do público que queria votar em um dos finais apresentados no “Você Decide”.

Foto: Reprodução
Era preciso muita paciência. Enquanto o programa ficava no ar, aproximadamente dois milhões de telespectadores tentavam votar pelo telefone. Mas, no máximo, apenas 60 mil chamadas se completavam. As demais davam sinal de ocupado. São dados da antiga Telesp, operadora da central telefônica que recebia as ligações dos telespectadores de qualquer parte do país.
A operadora, na época, contou que a Globo tinha alugado 530 linhas da central telefônica, o que permitia completar cerca de 60 mil ligações durante o programa. Já para aumentar o número de ligações completadas, e mais pessoas conseguirem participar da votação, a emissora teria que alugar mais 500 linhas. Mas esse número, ainda assim, jamais conseguira englobar os dois milhões de ligações. O máximo que a central telefônica conseguiria abarcar era o total de 120 mil ligações – o dobro do que costumava a receber a partir de maio de 92 (até então, o limite era de 12 mil ligações).
Os dois episódios que atingiram maior votação, naquele ano de estreia (nos dias 6 e 27 de maio) registraram 59.239 votos e 59.125, respectivamente. Os sortudos que conseguiam completar a ligação ouviam uma gravação com a voz do apresentador Antônio Fagundes, que agradecia o telefonema e garantia que o voto estava computado.
A central telefônica que atendia as ligações do “Você Decide”, ainda segundo a reportagem da Folha, era a única central “inteligente” da América Latina. Chama-se AXE, era fabricada pela Ericsson, ficava no bairro da Liberdade, em São Paulo, e ocupava uma sala de aproximadamente 80 m2.
Na reportagem especial da Folha, todo o processo de participação foi dissecado, da ligação à apuração, veja:
1º – O telespectador discava, de qualquer parte do país, os números 0800-14331 (para votar sim) ou 0800-143312 (para votar não).
2º – A central inteligente da Telesp, no bairro da Liberdade, centro de São Paulo, recebia o sinal das chamadas telefônicas e o transmitia para a estação da Telesp no bairro do Paraíso, zona sul da cidade.
3º – Era no Paraíso que gravadores com a voz de Antônio Fagundes atendiam os telefonemas. Simultaneamente, equipamentos de medição de tráfego somavam as chamadas de cada número. O resultado da soma passava para um computador da Telesp, também no Paraíso.
4º – O computador da Telesp enviava o resultado da soma para o computador da Globo, que acionava o painel eletrônico do vídeo, nos estúdios da emissora.
O COMEBACK

Foto: Divulgação/Rede Globo
Após o fim do programa, em 2000, a Globo decidiu reexibir o “Você Decide” dentro do Vale A Pena Ver De Novo, à tarde. A reprise de novelas, tradicionalmente exibidas no horário, foi pausada em 2001, e Suzana Werner comandou a reprise do programa. Ela gravava os textos de apresentação, mas entrava ao vivo com os resultados da votação popular. O programa foi cancelado por conta da abaixa audiência e das constantes mensagens que a Globo recebia do público, que clamava pela volta das novelas, na tradicional faixa.
Recentemente, a imprensa divulgou indícios de que o programa poderia ganhar uma nova versão. O roteirista João Falcão, chegou a confirmar, em entrevistas, que o projeto estaria em andamento e revelou mudanças no formato.
Segundo ele, já estavam escritos vários episódios e o formato agora seria diferente do anterior. Antes, o público escolhia o final, nessa nova versão, a ideia seria que as pessoas escolhessem por qual caminho a história seguiria – semelhante ao que a série americana Black Mirror fez em 2019. Por conta dessas muitas versões para o fim da história, vários roteiros precisavam ser escritos e gravados.
Por fim, pouco se avançou sobre esse projeto, provavelmente, deve estar em alguma gaveta. Uma pena, pois, no mundo atual, onde a interação é extretamente maior do que nos anos noventa, o formato seria um prato cheio para a movimentação das redes sociais.