Demitido por justa causa, jornalista faz carta revelando “podres” da TV Record

Demitido por justa causa, jornalista faz carta revelando “podres” da TV Record

“Desculpem o desabafo. Mais uma vez. Mas é que tá doendo demais. Muito. Não é rebeldia. Não é recalque. Não é ódio. É dor.
Muita dor.
Saí de Uruguaiana com 17 anos focado em ser jornalista e dar o maior orgulho possível pra minha família. Hoje, me sinto envergonhado toda vez que minha mãe e minha irmã me pegam chorando ou desiludido com tudo isso que está acontecendo.
Dei o meu melhor em todos os lugares em que eu trabalhei. Passei pelos principais veículos de comunicação do Brasil. Fui morar no interior do RS, fui para o Rio de Janeiro, voltei para Porto Alegre, por aí vai, sempre em busca da minha realização.
Me entrego ao máximo. Busco o melhor. Mas também exijo ser bem tratado. Exijo dignidade. A TV Record RS não foi digna comigo.
É um lugar, sim, onde recebemos oportunidade de trabalhar, ganhar nosso sustento e tentar sobreviver nessa selva jornalística. Mas é uma selva cruel.
Até agora eu vinha tratando dentro do possível essa emissora com o respeito que achava que cabia. Obviamente por ser a empresa que sou contratado, mas principalmente pelas várias pessoas que admiro, sou amigo e tenho um carinho enorme que estão lá.
Só que o meu limite de zelo acaba quando a mentira só cresce. A TV RECORD RS MENTE. Mente feio. Mente ardilosamente. Eu não posso mais ficar agindo com tranquilidade quando além da falta de verdade, há falha jurídica, há maldade.
Não posso mais ser complacente com uma empresa com gestor que comete crime. Não posso aceitar que um diretor de uma empresa me receba com segurança para me expulsar de um lugar que me dediquei tanto e jogue no chão um documento que levei.
Covardes.
Eu não posso mais ficar calado e respeitoso diante dessa gente que eu arrisquei a vida e virou as costas pra mim.
E essa gente, meus caros, como vocês sabem pertence á uma Igreja. Igreja Universal, essa mesmo. Que prega misericórdia, faz milagres…
Hoje, eu também me sinto completamente envergonhado por ter feito parte disso tudo. De certa forma fui cúmplice da barbaridade do dízimo das pessoas doentes e pobres, do preconceito de escolhas pessoais, da censura, da intolerância religiosa.
Que vergonha.
Tenho vergonha de uma empresa que desrespeita a justiça. Sim, a minha “demissão por justa causa” é completamente injurídica. NÃO TEM VALIDADE LEGAL.
Ou vocês já viram alguém com atestado médico e com perícia marcada ser demitido? NÃO EXISTE.
Só para os criminosos da Record.
Mas tu é louco de escrever isso? De comprar essa briga? Não. Talvez seja a atitude em mais sã consciência que já fiz. Estou sendo verdadeiro comigo.
Não é só uma questão de coragem. É de honestidade. De vergonha cara.
É porque quero honrar todo amor e incentivo que a minha família me deu e me dá. É porque quero que os meus amigos saibam que não me corrompo pra nada, nem pra “água sagrada”.
Tá doendo. Dói muito. Arranjo na escrita um jeito de diminuir isso. Meu antídoto pra sofrimento sempre vai ser me expressando. Achem certo ou não. Aprendi com isso tudo que nessas horas a gente não precisa de gente pra julgar, e sim pra apoiar.
Porque não há nada de criminoso um funcionário querer melhores condições de trabalho. Lutar pelo o que é de direito.
E vou continuar lutando. Muito. Na justiça. Na minha forma de se expressar.Vou lutar.
Se nenhuma palavra minha servir, se a justiça não for cumprida, vou acreditar no tempo.
Talvez Dom Quixote tenha me inspirado um pouco hoje, depois que a minha amiga Lúcia mandou essa passagem da obra de Cervantes: “Só é humilhado, quem se sente humilhado”.
Não vou me humilhar. Vou falar o que sinto.
Dom Quixote em um momento da vida se deu conta que não era um herói. Viu que não há heróis.
Há homens de carne, osso, sangue. Homens que choram e sofrem em busca do bem.
Que desabafam.”

Carta escrita por Luiz Antônio Barbará, ex-funcionário da Record RS, e divulgada pelo blog do jornalista José Luiz Prévidi.

Em novembro de 2016, Luiz Barbará foi vítima de cárcere privado durante uma investigação e teve ajuda negada pela emissora do Bispo Edir Macedo.

Barbará foi investigar o caso da “farra do semi-aberto” – casos de presos e condenados pela Justiça que, em vez de trabalhar durante o dia, curtem a vida – em Porto Alegre, à mando da Record Rio Grande do Sul.

Durante seu trabalho de apuração, o repórter chegou até uma fábrica e, ao pedir esclarecimentos do dono do local, foi surpreendido. O empresário trancou Luiz Barbará e sua equipe na fábrica e passou a fazer vários tipos de ameaças e constrangimentos, tudo com a câmera ligada. Um caso claro de cárcere privado.

Luiz Antônio Barbará, demitido por justa causa da Record RS.

A reportagem conseguiu sair do local quase uma hora depois, com a chegada da Brigada Militar, como é chamada a PM no Rio Grande do Sul. Num primeiro momento, a câmera foi apreendida, mas acabou liberada pela Polícia Civil.

O caso foi parar na delegacia, onde Barbará gostaria de registrar um boletim de ocorrência juntamente com a Record, como acontece de praxe quando matérias investigativas têm algo diferente do normal. Ele também pediu auxílio jurídico e proteção da emissora.

Mas foi aí a surpresa: a Record RS se negou a prestar ajuda e fazer qualquer tipo de B.O., e nem mesmo ajudá-lo nas outras questões. O canal alegou que não teria responsabilidade alguma, porque o crime foi cometido contra a pessoa, e não contra a empresa – mesmo que o repórter tenha ido com identificação da emissora, como canopla no microfone, carro adesivado e crachá.

Com laudo psicológico, Luiz Barbará ficou sem trabalhar durante os últimos dois meses por conta de todo o trauma que passou.

Ao retornar à emissora para entregar o laudo médico, o repórter foi demitido por justa causa. Barbará está com perícia marcada e não teve alta médica, o que torna a demissão ilegal.

Esse é o segundo escândalo em menos de quatro meses envolvendo a Record do Rio Grande do Sul. Em outubro, jornalistas do canal entraram em greve por falta de condições adequadas de trabalho na emissora gaúcha.

Na ocasião, programas foram prejudicados e o “Balanço Geral RS” foi ao ar, no dia 17 de outubro, com o seu apresentador Alexandre Motta mostrando apenas vídeos de flagrantes e câmeras de trânsito, porque equipes de reportagem se negaram a fazer matérias em protesto à falta de apoio e por condições inadequadas para fazerem jornalismo de qualidade.




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